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O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, o INPA, com sede em Manaus – AM, lançou em 2015 um trabalho científico de grande importância para o estudo das formigas no país, o Guia para os Gêneros de Formigas do Brasil. Em 2006, também sob coordenação do Dr Fabricio Beggiato Baccaro, o Instituto havia lançado a “Chave para as principais subfamílias e gêneros de formigas”, que foi de grande importância para o trabalho de cientistas, técnicos e estudantes brasileiros que se dedicam ao estudo desse grande grupo de animais. A atualização da versão original foi necessária: enquanto o Guia de 2006 ilustrava os gêneros mais comuns das 9.538 espécies de formigas conhecidas no mundo naquela época, em 2015 mais de 13.000 espécies estavam catalogadas, fruto da grande evolução do conhecimento científico sobre as formigas realizada na última década.

O novo Guia não somente apresenta a “chave de identificação mais completa e atualizada dos últimos 12 anos, elaborada para as subfamílias e gêneros de formigas que ocorrem no Brasil”, como também já inclui, por antecipação, anotações sobre algumas alterações taxonômicas que “serão descritas em breve” por pesquisadores brasileiros consultados na preparação do livro. À exceção do capítulo dedicado ao uso das chaves taxonômicas – as quais nunca serão compreensíveis às pessoas não iniciadas em entomologia (ciência que estuda os insetos), os autores pretendem oferecer um texto de caráter informal, são econômicos nas citações científicas e se concentram em informações básicas para as pessoas que estudam formigas (os mirmecólogos).

O eminente professor e cientista Dr Carlos Roberto F. Brandão, do Museu de Zoologia da USP, assim resume a importância desse trabalho:

O presente guia de identificação para os gêneros de formigas que ocorrem no Brasil é uma importante contribuição ao estudo de um grupo de insetos ecologicamente importante e fascinante em termos de biologia e morfologia. Apresentando uma combinação de informações sobre o histórico taxonômico do grupo, biologia, morfologia, chaves de identificação ricamente ilustradas, diagnoses dos gêneros ilustradas por imagens em alta resolução, trata-se de uma contribuição fantástica, útil a estudantes e amantes da história natural e de detalhes sobre a vida das formigas, especialmente sua identificação”.

O Guia nos apresenta informações e fotos sobre 107 gêneros de formigas que ocorrem no Brasil, representantes de 13 sub-famílias da família das formigas (Formicidae), sendo que um bom número destes gêneros também ocorrem em outros países, vizinhos ou não. São conhecidos 142 gêneros Neotropicais e 330 em todo o mundo. O agrupamento de espécies biológicas em diferentes gêneros busca garantir que todas as espécies agrupadas tenham evoluído de um ancestral comum, compartilhando entre si “características que as distinguem das restantes quando forem usados critérios significativos do ponto de vista evolutivo (ecologia, morfologia ou biogeografia)”. A identificação do gênero ao qual pertence uma formiga nos dará uma grande quantidade de informações sobre sua biologia e seu papel no ecossistema onde é encontrada, e nesse sentido o Guia é de fundamental importância para os interessados. Já para se obter a identificação do nome da espécie de uma formiga, mesmo conhecendo-se o seu gênero, na maioria das vezes será necessário consultar um especialista em mirmecologia, a ciência que estuda as formigas.

 

SAIU NO GUIA DAS FORMIGAS DO INPA

Mais de 13.000 espécies de formigas conhecidas habitam toda a superfície terrestre do planeta, com exceção das calotas polares. O Brasil detém a maior diversidade de formigas das Américas, com cerca de metade das espécies conhecidas na região, e uma das maiores do mundo, com cerca de 30% dos gêneros reconhecidos no planeta. Na região tropical apresenta maior abundância, frequência e diversida­de de formigas, sendo estima­do que esse grupo representa entre 30 a 50% da biomassa animal terrestre de toda floresta amazônica – essa incrível quantidade de animais, através da organização do intenso trabalho coletivo dos indivíduos de cada colônia, participa ativamente do ciclo da matéria e do fluxo de energia nesses ambientes.

O Brasil detem a segunda maior diversidade de espécies de formigas do planeta e reúne, possivelmente, o maior número de cientistas, pesquisadores e alunos desenvolvendo estudos sobre diversidade e classificação de formigas em um único país. As primeiras coletas de formigas para fins taxonômicos foram feitas no início do século XX para o Museu Paulista da Universidade de São Paulo e, passado um século, elas são as mais representativas da re­gião Neotropical, tanto pelo número de espécimes-tipo quanto pela imen­sa quantidade de espécies nelas depo­sitadas, provenientes de uma área ge­ográfica consideravelmente extensa.

 

AS CORTADEIRAS NO GUIA DOS GÊNEROS DE FORMIGAS DO BRASIL

As formigas cortadeiras, conhecidas no Brasil como saúvas e quenquéns, são insetos que ocorrem na Região Neotropical, território tropical que se estende desde a Terra do Fogo até o deserto do México. De acordo com o Guia, a primeira descrição científica da popular saúva foi feita pelo pai da taxonomia moderna, Carolus Linneaus, na sua obra ‘Systema Naturae’ (1758), recebendo dali por diante o nome científico de Atta sexdens.

Habitam o Brasil 65% das formigas cortadeiras conhecidas, sendo aqui registradas 9 das 19 espécies de saúvas e 24 das 32 espécies de quenquéns. O Guia oferece uma breve descrição da história natural dos gêneros de formigas cortadeiras brasileiras, que destacamos a seguir para rápida referência.

 

  • Saúvas:

Gênero Atta (Fabricius 1804): popularmente conhecidas como saúvas, içás ou tanajuras. Utilizam folhas, frutos, sementes, galhos e partes de flores para cultivar o fungo do qual se alimentam. Seus ninhos são construídos no solo, podendo ter várias centenas de câmaras subterrâneas, distribuídas em uma profundidade de até oito metros (dependendo da espécie). A arquitetura do ninho facilita a saída de gás carbônico produzido pelas formigas e possibilita a entrada de oxigênio, mantendo o meio interno ventilado. A escavação do ninho e sua limpeza geram um acúmulo de terra (murundum) em torno da colônia com até dois metros de altura e os montes secundários (menores) podem estar espalhados por vários metros em torno do principal. As formigas desse gênero causam consideráveis prejuízos econômicos, afetando a agricultura e a pecuária em diferentes regiões das Américas ao cortarem grandes quantidades de biomassa vegetal em áreas de pastagem, florestas e cultivos comerciais. Apesar da condição de praga agrícola, a presença das cortadeiras pode trazer impactos positivos sobre a estrutura química e física do solo, ajudando na aeração e ciclagem de nutrientes.

 

  • Quenquéns:

Gênero Acromyrmex (Mayr, 1865): popularmente conhecidas como ‘quenquéns’. Usam folhas e outras partes vegetais para cultivar o fungo que serve de alimento para a colônia. Constroem ninhos subterrâneos, geralmente formados por duas a onze câmaras ligadas entre si por um único canal de saída externa. Na entrada do canal há geralmente um tubo de palha entrelaçada, onde desembocam algumas saídas chamadas de “olheiros”. Algumas espécies acumulam montes baixos de terra escavada nas proximidades do ninho, onde frequentemente encontramos também os restos envelhecidos do cultivo do fungo. São consideradas pragas agrícolas, causando sérios danos especialmente a pastagens, cultivos de cana-de-açúcar, eucalipto e jardins ornamentais”.

 

  • Outras formigas cortadeiras: existem outros poucos gêneros de formigas que coletam partes vegetais frescas (frutos, folhas etc) para formar o substrato do cultivo do fungo alimentício, os quais podem ter importância como pragas de plantas cultivadas em algumas regiões. Entre essas espécies, o Guia dá destaque às formigas dos gêneros Trachymyrmex (Forel, 1893) e Sericomyrmex (Mayr, 1865).

 

  • Outras formigas cultivadoras de fungos: o Guia indica cerca de uma dúzia de outros gêneros que cultivam fungos a partir de substâncias vegetais ou animais, frescas ou em decomposição. Todas as formigas cultivadoras de fungos pertencem ao mesmo grupo das cortadeiras, a tribo Attini, dentro da sub-família Myrmicinae. Dentre os gêneros com maior número de espécies no Brasil, destacam-se Allomerus (Mayr, 1878), Apterostigma (Mayr, 1865), Cyphomyrmex (Mayr, 1862), Mycetosoritis (Wheeler, 1907), Mycocepurus (Forel, 1893) e Myrmicocrypta ( Smith, 1860).

 

PRÓXIMA ATUALIZAÇÃO DO GUIA DAS FORMIGAS DO BRASIL

Os cientistas estimam a existência de 20.000 a 30.000 espécies de formigas no mundo, das quais pelo menos 2.000 deverão ser ainda descobertas somente no Brasil. Segundo os autores, “provavel­mente quando você estiver lendo este Guia, mais espécies e gêneros devem ter sido descobertos por taxonomis­tas”. Dessa maneira, podemos esperar por uma nova e necessária atualização desse Guia no futuro próximo – quem sabe incorporando as principais espécies de cada gênero.

Com o auxílio de tecnologias inovadoras de divulgação científica, o público deverá ter outras formas de acessar o conhecimento acumulado nesse tema de permanente interesse cultural, econômico e ecológico em todo o mundo. Afinal, daqui a 10 ou 20 anos deveremos ainda estar ainda usando livros impressos em papel e textos em arquivos eletrônicos, mas também outras inúmeras maneiras de abordar a vida em formigueiros serão desenvolvidas com novas tecnologias.

O Guia para os Gêneros de Formigas do Brasil, INPA 2015, foi publicado também com o objetivo de “despertar o interesse e difundir o conhecimento sobre a diversidade de formigas entre o público não especializado”. A descrição científica e atualizada dos 107 gêneros de formigas do Brasil em linguagem acessível e ricamente ilustrada é um marco no estudo do mundo dos insetos da América Latina, mesmo considerando o honesto alerta dos autores de que “as chaves de identificação são ferramentas relativamente efêmeras”. O público interessado nos insetos sociais, especializado e não especializado, tem elogiado o resultado desse grande esforço de pesquisa. Parabenizamos seus autores, colaboradores e promotores pelo sucesso já obtido com essa recente publicação.

(Referência e fotos: Fabricio B. Baccaro…[et. al.]. 2015. Guia para os gêneros de formigas do Brasil.Manaus : Editora INPA, 2015. 388 p. : il. color.)